segunda-feira, 17 de março de 2008

Quando chega OAEOZ

Foz do Iguaçu, 10 de março de 2008, 21h38min.

- Vi que o Ivan mandou o pacote pra você.
- Pois é, chegou hoje.
- E aí?
- Tá bonito pra caralho!
- Você ouviu o disco inteiro??!!
- Pô, claro que não! Cê sabe como é, cada música d’ OAEOZ tem cinco, seis minutos (mal levo 10 para chegar ao meu trabalho).
- É, eu sei, e depois de cada uma você pára e fica 10, 15 minutos pensando, pensando...

Esse diálogo – travado entre eu e minha namorada – ilustra o que OAEOZ pode fazer por você, é algo que eles nem tem como idea mater ou mesmo como intenção discreta, mas acaba virando uma prerrogativa da maioria de suas composições (às vezes, eles dão bola fora). O Ivan em questão é o Ivan Santos, sujeito que compõe a maior parte das composições dessa banda curitibana que vive fazendo concessões.
Concessões? OAEOZ, perguntarão, indignados, alguns que já conhecem a banda. Sim, concessões, não no sentido mercadológico da coisa (isso equivaleria a gravar axé, “Créu” ou algo do tipo), porque o “rock” deixou de ser mercado no Brasil e, mesmo, OAEOZ não é uma banda de rock’n’roll. As concessões que esses quatro cavalheiros fazem são a si mesmos, à sua vontade de seguir como banda, de encontrar caminhos musicais que fujam da própria obviedade de seus gostos, que já não são em nada óbvios. Concedem a cada integrante a chance de dizer o que precisam, nem que seja na base da porrada, que atropela a eles próprios. Não se trata de uma banda pacífica, e nem me arrisco a dizer que seja um grupo de amigos ou de pessoas louváveis (“não gaste muita piedade que a maioria aqui é chave de cadeia”, me disse o Ivan a respeito de quase todas as pessoas que conheci em torno da banda, inclusive a própria). Isso não quer dizer que não sejam quatro homens sinceros, quatro músicos peculiares e únicos, quatro pessoas com um senso de urgência que transparece em sua música graças à sensibilidade ímpar de cada um. E se isso não é louvável, não sei mais o que é.

Mas enfim, quem precisa de louvores é Deus. Nós, aqui na Terra, precisamos de sentimentos mais palpáveis que a mera adulação, sentimentos que você encontra nas linhas e espaços em branco de cada um desses discos e dos dois anteriores. Os “anteriores” são Dias e Às Vezes, Céu; e “esses dois” fazem parte do pacote que estão lançando agora, Falsas Baladas e Outras Canções para a Estrada e Ao Vivo na GGG, já que os trabalhos se acumularam desde 2005 e agora ambos saem ao mesmo tempo da jaula onde foram gestados.

Não me surpreende que Ao Vivo... seja o melhor dentre os quatro discos d’OAEOZ. A banda sempre fez mais sentido ao vivo que em disco, sempre impressionou mais no palco que em estúdio. Isso é curioso vindo de uma banda que não tem um peso rítmico bruto, cujo som se alicerça mais em detalhes que em explosões, visões que focam mais algumas árvores que a floresta toda, mas procede. O registro da GGG (ao cargo do Carlão Zubek e dos ex-BAAF Rodrigo Barros e Luiz Ferreira) foi o que melhor preservou a beleza das passagens instrumentais do OAEOZ, o único a conseguir registrar adequadamente o peculiar equilíbrio vocal que se estabelece na alternância ou na soma de vozes de seus integrantes – nenhum cantor per se, mas todos vocalistas, capazes de deslocar suas entranhas através de seus sistemas fonadores e ressoarem através das caixas torácicas alheias. Tem “Meg e John”, uma bela canção de fuga de Rubens K que há tempos pedia um registro decente, e aqui encontrou, e que quase empalideceu diante da entrega de “Conversa na Laje”, da força de “Desculpas (Não Quero Saber)” e da beleza etérea de “Deserto” (e eu, que apertei sonolento o play sem saber o que estava no aparelho, pensei: “de onde que veio essa coisa quase new age?”).

O show da GGG também traz o que sempre me soou como o maior destaque individual no som da banda: o baixo errático mas não impreciso levado nos dedos de Rodrigo “Zóio”, um caminho acidentado de notas que formam uma paisagem à parte na qual o resto se deposita. Claro, é algo totalmente aberrante para quem tem Renato Rocha como referência nas baixas freqüências, mas deixa esse povo com seus uns e outros.

Os elogios a uma parte do pacote não desmerecem a outra. Imagina, “Mariane” tá indo e vindo no player enquanto escrevo esse texto; “Pra Longe” é a concisão (que engrandece conforme a execução vai acontecendo) de tudo o que a banda já se propôs a fazer; “Negativa” vem para lembrar que o trompete de Igor Ribeiro sempre pode fazer seu coração tremer e suas pernas baterem mais forte (ou será o contrário?). É que ele marca menos, por ter sido gestado em tanto tempo e por trazer tentativas não tão logradas de soar alto (“Ninguém Vai Dormir” e “Impossibilidades”). Mas quem disse que OAEOZ é uma banda perfeita?

Já escrevi mais de uma vez que é nas próprias brechas que OAEOZ se sustenta, não em suas virtudes, mas sim em sua própria falibilidade. É como o material que nos faz humanos: a beleza vem do erro, a verdade vai embora aos tropeços e a esperança vem de onde menos se espera: de dentro.

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