segunda-feira, 10 de março de 2008

Manu Chao - La Radiolina

Uns meses atrás, o Diego Gerlach me convidou para integrar o redivivo Gordurama. Mas por razões que apenas o Gianecchini pós-disenteria dos pampas conhece, já se passaram bem mais de três dias e o site não ressucitou. Enquanto a Segunda Vinda não acontece, decidi postar aqui um (talvez mais, mais para frente) texto que fiz para esse retorno. então vamos lá:


A velocidade não muda a estrada OU Porque você não precisa ativar a função “Repeat”

Foi em 1999 que Manu Chao se livrou da sombra do Mano Negra e lançou seu primeiro disco solo, Clandestino, uma mistura de inquietação viajante com preguiça cachaça-maconheira traduzida em climas musicais (“uma coisa meio etérea, quase new age”, nas palavras equivocadas do próprio). Clandestino captava o espírito utópico e delirante que antecedia a concretização da União Européia, quando quem tinha grana e alguma fumaça na cabeça chegou a realmente acreditar que as fronteiras deixariam de existir, ou ao menos, de funcionar. E talvez por isso, tenha se tornado o álbum preferido de modernetes, estudantes de História e Ciências Sociais, e, acima de todos, de mochileiros europeus, vagabundos ou filhinhos-de-papai que pagavam de radicais comprando pacotes de viagem para o salar de Uyuni na Bolívia e outros lugares "exóticos". O disco certo nos ouvidos errados.

O problema é que Chao começou a levar esse papo a sério demais, a militar em tudo quanto é lugar onde o povinho “pensante” adore barulho, dos panelaços argentinos aos acampamentos brasileiros do MST. Isso lembrando Manu é franco-espanhol, com residência em Barcelona – protestar contra o ETA é mais arriscado, né gurizão? Manu Chao se tornou um ícone pop tão forte quanto um Che Guevara sem a revolução. E daí para a auto-repetição foi um pulo, ou melhor, um disco: Próxima Estación: ¡Esperanza!, no qual repetia bases e frases (textuais e musicais) do álbum anterior, reduzindo o “discurso” outrora simpático e um pouquinho mais articulado a uma meia-dúzia de frases dignas de servir de legenda de foto de orkut de guriazinha "antenada" de Floripa. E se você achava que depois de uma música como “Homens” (“homem tem que ter celular / carro importado / tem / tem muito homem”, cantada por uma negrona que ele traçou no Rio de Janeiro) e depois de ter gravado com o Skank ele teria um mínimo de dignidade e se retiraria de cena, se enganou feio.

A conseqüência desse “processo” foi um disco ao vivo no qual, não contente em repetir bases e frases, reprisava músicas, gritando “bombála, bombábla, bombála” a cada cinco versos. Como ele declarou que já tinha cumprido seu contrato de três discos com a gravadora e que por isso não lançaria mais discos, você se contentou em ficar com o que ele já tinha lançado de bom (sua estréia mais toda a discografia do Mano Negra) e desencanar de vez do cara e da sua turminha de fãs. Mas aí o ego (já que grana ele garante que tem de sobra) falou mais alto e ele teve que fundar um selo e lançar um disco novo, e veio esse La Radiolina. Letras em portunhol, francês, espanhol e inglês de índio de faroeste, imprecações contra Bush e transmissões de rádio. Peraí, esse não era o Proxima Estación: ¡Esperanza!? Hmm... não.

Diferenças, diferenças: “está cheio de guitarras e furioso”, diz a imprensa latina, tentando alardear a novidade de seu companheiro de putarias. Há mais guitarras, sim. Mas daí a chamar isso de fúria é a mesma coisa que dizer que a Wanessa Camargo tá granvado hardcore só porque uma de suas tentativas de power ballads tem uma semi-distorção no refrão. As guitarras estão marcando mais presença, mas falham em todas as suas tentativas de falar alto. Quando sussurram ou marcam uma linha étnica-clichê, funcionam muito melhor, como em “Politik Kills”, “Piccola Radiolina” e “Soñé Outro Mundo”.

Os tons caribenhos algo forçados do tal Próxima Estación... ficaram de fora. Quando é para “latinizar”, ele consegue escapar do estereótipo de mariachi moderno (ou melhor, mantém o estereótipo, mas de forma convincente), aprimorando “Me Llaman Calle” ao ponto de ela virar uma das melhores faixas do disco (a música tinha sido gravado de forma incidental na companhia dos Paralamas do Sucesso no disco Hoje, dentro da ótima “Soledad Cidadão”). Os reggaezinhos frouxos também foram abandonados, substituídos por punkzinhos frouxos, que parecem um pacote de 150mg de Tang Mano Negra diluído no Oceano Índico. Esquece essa parte. Se você ouviu o primeiro single, “Rainin’ in Paradize”, sabe o porquê. Esquece mesmo.

Onde ele revisita a idéia básica de Clandestino é a parte na qual o disco funciona. “La Vida Tômbola”, “Mala Fama”, “Tristeza Maleza”, “Amalucada Vida” (ou: “Minha Galera - versão 2007”) estão aí para provar o que digo. E nem vamos mencionar que elas têm, pela 209ª vez, os versos “yo soy un hombre sincero”, “calavera no llora” e “bombála, bombála, bombála”, que o assunto ainda é só a música. Porque o todos os textos repetem a mesma ideologia da revolução botequeira dos universitários de Sociologia e Jornalismo: o mundo é cruel, o sistema é mau, as festas nunca duram o suficiente, etc. Numa espécie de reassimilação do comedor pelo alimento, Chao assumiu a “ideologia” dos seus fãs, fazendo críticas fáceis e sem embasamento algum contra qualquer coisa. Quer exemplos tirados de entrevistas e letras? Então vamos lá:
  • “as gravadoras ganham com a pirataria porque elas produzem os aparelhos para copiar discos” (Rolling Stone latina de setembro). Só a Sony produz CDs virgens e gravadores de CD.
  • “Señor Presidente George Bush: cuidado. Lo estoy observando”, diz uma voz “ameaçadora” em “Tristeza Maleza”. Tá. E vai fazer o que? Tacar uma bomba no Pentágono? Se candidatar às próximas eleições presidenciais? Ou comandar um boicote contra as calças jeans e o modo de vida americano em geral?
  • “Politik Kills”. O título já explica a indigência mental. E a gente achando que depois da Plebe Rude ninguém mais teria coragem de escrever e gravar coisas assim...


Poderia continuar mas já deu para você entender. Queremos crer que, no fim, nada disso importa. E queremos crer que o disco é bom, porque Manu parece ser um cara gente fina. Mas e se eu disser que mesmo essas bases legais que foram comentadas nesse texto aparecem repetidas em quatro ou cinco canções desse disco? Se eu trocasse “Soñé Outro Mundo” por “Outro Mundo”, “13 Días” por “Besoin de la Luna”, “Y Ahora Qué?” por “The Bleedin’ Crown”, nada mudaria, só as letras. Tudo igualzinho...


No fim, Manu não deve ser um cara tão legal assim. Deve ser aquele bebum divertido que chega uma noite e surpreende a todos, mas depois se revela um chato, contando sempre as mesmas histórias e as mesmas piadas como se fossem novidade. Mas pela camaradagem e pelo passado digno, você ainda o agüenta.

Poderia ter sido um disco quase bom, mas é repetitivo. Já não escrevi isso antes?

Um comentário:

fernando lalli disse...

Devo-lhe uma resposta de e-mail, eu sei. Mas pago a dívida assim que terminar de ler este teu texto.

Abração!