terça-feira, 4 de março de 2008

Chupetas

Os anos vão passando e as chupetas vão aumentando de tamanho e de preço, mas não deixam de ser exatamente isso: chupetas, consolos maternais, tranqüilidade ilusória e eficaz que repousa em objetos ou atitudes aparentemente banais e oferece um amortecimento dos medos e um remédio para a solidão. Começa-se com o bico plástico propriamente dito até o dia em que ele vira, digamos, o gargalo de uma garrafa, não importa que seja de uma bebida vistosa e conferidora de status comprada no free shop ou de uma cerveja de menos de um real a long neck.

Talvez possa-se dizer o mesmo dos outros vícios, mas esses eu não conheço tão intimamente, assim que digo que o alcoolismo funciona primordialmente como uma chupeta, um consolo, uma substituição do bico do peito maternal e que nos acompanha até o dia em que nos matamos com esse suposto anestésico ou em que nos entregamos à nossa própria insignificância e encontramos um termo de vida que nos parece mais agradável que o entorpecimento contumaz dos sentidos.

Veja: o álcool como refúgio nada mais é que uma tentativa de afogar demônios internos que há muito aprenderam a nadar em nossos mares de sangue e tripas, e que por isso sempre sobreviverão às nossas enchentes anestésicas. Glamourizamos essas inundações porque gostamos de nos sentir no controle do nosso processo de envenenamento, porém essa ilusão é vazia, arrogante e em muitos casos covarde. Não que isso seja tão digno de reprovação: quem, afinal, é capaz de olhar dentro do seu espelho interno e achar bela a imagem refletida? Existe, claro, a beleza que adorna as garrafas que nos seduzem, e não sou eu quem se atreverá a contestar o prazer trazido por um bom vinho. Mas conheço minha vontade de me afundar no que sai das garrafas, a mamar direto das tetas viníferas e não largar mais o leite entorpecente das uvas. Reconheço-a em mim e em tantos outros que passaram pela minha vida e pelos meus copos.

Que eu me mate aos poucos, então, é glamouroso, romântico e tolo. Porque o romantismo de vir a enfiar todos os meus sentidos nos odores agridoces da interminável disponibilidade de bebidas me parece tão tolo e vazio quanto os romances hollywoodianos de fim-de-semana presenciados por centenas de casais que insistem em alguma forma de forjá-los dentro de seus próprios relacionamentos. Que eu pareça atormentado e incompreendido, pode ser uma imagem convincente. Mas não muda o fato de que sou um bêbado, um alcoólatra (lembremos que o sufixo latra indica quem adora, quem venera), alguém que prefere se ocultar sob a pecha de infeliz a tomar a infelicidade nos punhos e contorná-la às pancadas, com a mesma coragem que me toma quando estou embriagado.

Que eu seja, portanto, um dependente, isso está claro e definido. Que eu morra por essa dependência ou a ela me conforme, aí já não está claro, tampouco definido. Cabe a mim a definição.

Hoje o carro fica na garagem. Não vou sair para comprar mais uma.

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